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sexta-feira, 12 de março de 2010

Poemas

Poemas de Ferreira Gullar

Do livro: Um gato chamado Gatinho





O ron-ron do gatinho



O gato é uma maquininha

que a natureza inventou;

tem pêlo, bigode, unhas

e dentro tem um motor.



Mas um motor diferente

desses que tem nos bonecos

porque o motor do gato

não é um motor elétrico.



É um motor afetivo

que bate em seu coração

por isso ele faz ron-ron

para mostrar gratidão.



No passado se dizia

que esse ron-ron tão doce

era causa de alergia

pra quem sofria de tosse.



Tudo bobagem, despeito,

calúnias contra o bichinho:

esse ron-ron em seu peito

não é doença - é carinho.





O gato curioso



Era uma vez era uma vez

um gato siamês.



Por ser muito engraçadinho,

é chamado de Gatinho



Além de ser carinhoso,

ele é muito curioso.



Nada se pode fazer

que ele não deseje ver.



Se alguém mexe na estante,

está lá no mesmo instante.



Se vão consertar a pia,

está ele lá de vigia.



E o resultado é que quando

viu seu dono consertando



a tomada da parede,

meteu-se com tanta sede,



a cheirar tudo que – nhoque!

levou um baita de um choque!



E pensa que ele aprendeu?

Mais fácil aprendia eu!



Mantém-se o mesmo abelhudo

que quer dar conta de tudo.





Gato pensa?



Dizem que gato não pensa

mas é difícil de crer.

Já que ele também não fala

como é que se vai saber?



A verdade é que o Gatinho,

quando mija na almofada,

vai depressa se esconder:

sabe que fez coisa errada.



E se a comida está quente,

ele, antes de comer,

muito calculadamente

toca com a pata pra ver.



Só quando a temperatura

da comida está normal,

vem ele e come afinal.



E você pode explicar

como é que ele sabia

que ela ia esfriar?







A fala do gato



O gato siamês

tem uns vinte miados:

alguns são suaves,

outros exaltados;

há os miados graves

e há os engasgados.

É quase um idioma

que ainda não entendo

mas o gato bem sabe

o que está dizendo.



E até falou comigo

em linguagem de gente.

Disse: “meu amigo”,

assim de repente.



Então eu acordei

feliz e contente!

Era sonho, claro.

Mas, como se sabe,

é no sonho que ocorre

o que se deseja

e no mundo não cabe.





Companheiro fiel



Se estou trabalhando

– seja a que hora for –

Gatinho se deita ao lado

do meu computador.



Se vou para a sala

E deito no sofá,

Ele logo vai pra lá.



Se à mesa me sento a escrever poesia

e da sala me ausento

pela fantasia, volto à realidade

quando, sem querer,

toco de revés

numa coisa macia.



Já sei, não pago dez:

é o Gatinho que sem eu saber

veio de mansinho

deitar-se a meus pés.





Dono do pedaço



Para qualquer outro gato,

Gatinho não dá espaço.

Em nossa casa ele impera

– é o dono do pedaço.



Certa vez uma vizinha

– que era de fato uma tia –

pediu pra deixar seu gato

conosco só por um dia.



Mal o gato entrou em casa,

Gatinho se enfureceu,

pulou em cima do intruso

que, assustado, correu.



Gatinho saiu-lhe atrás

aos tabefes e às unhadas,

correram os dois pela casa

na mais louca disparada.



No quarto, em volta da cama,

por baixo e por cima dela,

rodaram como foguetes,

sumiram pela janela.



Só depois de muito esforço,

pude conter o Gatinho,

enquanto o outro fugia

pro apartamento vizinho.



Assim acabou-se a guerra

que me serviu de lição:

proibo a entrada de gatos;

só gatas têm permissão.





Final



Era o que eu tinha a contar

sobre o meu gato Gatinho

que muito tem me ensinado

de amizade e de carinho.



Um siamês, pêlo escuro,

olhos azuis, cara preta,

é o bicho – lhes asseguro –

mais “fofo” deste planeta.



--

Ferreira Gullar

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