Em todos os tempos e tradições espirituais, os sonhos são relatados como a via direta de conexão com Deus, com o mundo espiritual e com nós mesmos. Enquanto nossa mente consciente repousa, uma intensa vida psíquica e espiritual toma lugar. Várias vertentes da Religião, Psicologia e Filosofia concordam com o fato de que aquilo que conhecemos de nós mesmos e da realidade é apenas a ponta visível de um imenso iceberg, mera fração de uma porção inconsciente (ou subconsciente) muito maior, de onde provém os sonhos e nosso contato com o mundo espiritual. Este inconsciente se revela não só nas neuroses, psicoses e atos falhos estudados por Freud na psicanálise clássica, mas também na expressão artística, nas atividades intuitivas, nas sincronicidades (coincidências significativas) de nosso cotidiano, nos estados de transe, nas estruturas comuns a vários mitos e tradições religiosas (arquétipos), na mediunidade e nas experiências espirituais em geral. E é justamente através deste inconsciente que Deus mais fala conosco, uma vez que nossos contatos com o divino são, em geral, subjetivos, simbólicos e pessoais – como nossos sonhos.
Em alguns desses momentos noturnos, nossa alma sai do corpo e encontra outras consciências afins, percebendo com maior ou menor lucidez o mundo espiritual, muitas vezes trazendo a lembrança de conselhos recebidos de consciências em planos mais sutis. Segundo Kardec, “durante o sono, o espírito jamais fica inativo. Ele percorre o espaço e entra em relação mais direta com os outros espíritos. Podemos avaliar a liberdade do espírito pelos sonhos. Quando o corpo repousa, o espírito possui mais faculdades que no estado de vigília. Tem lembrança do passado e, às vezes, a previsão do futuro. Quando o homem dorme, momentaneamente se encontra no estado em que estará de maneira permanente após a morte. Deste fato deveríamos aprender, uma vez mais, a não ter medo da morte, pois ‘morremos todos os dias’.”.
Esta emancipação da alma, detalhada por Kardec no capítulo VIII de O Livro dos Espíritos, também é abordada no “mundo paralelo” da bruxaria, no mundo invisível onde voam os xamãs, nos “céus” que apóstolos bíblicos visitavam em suas revelações divinas obtidas durante o sono, nos planos sutis tratados pelos orientais, ou mesmo no “mundo das idéias” de Platão – a verdadeira realidade, fonte de eternidade e conhecimento, da qual nosso mundo físico é mera cópia temporária e imprecisa de que participamos, enquanto nossa alma se purifica ao longo de vidas em direção à perfeição e ao Bem. Qualquer que seja a explicação ou crença, os relatos se unem, e ao acordarmos, trazemos impressões desse convívio espiritual, na forma de lembranças de sonhos e projeções.
Já em outros momentos, mais rememorados e não menos importantes, nossos sonhos se revestem de uma linguagem simbólica para tratar de conteúdos inconscientes, intimamente ligados à nossa reforma íntima e sintonia espiritual. E é nessa hora que conhecimentos da psicanálise e psicologia junguiana e transpessoal devem se unir às nossas experiências. É na análise desse simbolismo que podemos encontrar, dentre várias possibilidades, a voz de nosso ‘Self’ ou Eu Maior que, numa visão espiritualista, pode ser traduzido como a porção mais elevada de nosso espírito individual, em sua plena consciência coletiva, e que, constantemente, nos orienta em relação ao que podemos fazer para atingirmos nossa realização pessoal e espiritual – ou, mais comumente, deixarmos de fazer para não nos afastarmos demais de nossos objetivos nessa vida. Deixar de prestar atenção aos sonhos é, portanto, como recebermos todo o dia uma carta importantíssima do Alto, e nunca nos dignarmos a abri-la ou tentarmos interpretá-la, apenas porque quem a escreveu ou transportou tem uma linguagem um pouco diferente da nossa habitual.
Outra possibilidade da interpretação dos sonhos é a de tratarmos nossos conteúdos pessoais mais ocultos. Não podemos nos esquecer que o trabalho psíquico de nossas luzes e trevas internas, bem como nossa resolução ou aprisionamento a desejos e emotividades desmedidas determinam aonde nossa alma irá, por sintonia, e as companhias que terá. E é nos sonhos – sejam literais ou simbólicos, psíquicos ou espirituais – que podemos perceber mensagens claras visando nosso equilíbrio emocional, correção de equívocos, compensação de excessos, visando um maior equilíbrio na vida. Esse processo é comumente conhecido no meio espírita como “reforma íntima”, que pode e deve ser auxiliado pela análise dos sonhos e auto-observação, uma vez que se constitui muito mais de autoconhecimento e mudança de atitude, na prática, do que de freqüência a um local ou aceitação doutrinária.
É possível também, através dos sonhos, termos contato com o inconsciente daquelas pessoas e espíritos com quem temos maior afinidade, com o inconsciente coletivo de toda a humanidade, com visões de vida além do tempo e espaço, com o plano astral e nossos amparadores espirituais; e, em última análise, com a própria experiência direta de Deus. Em atendimentos psicanalíticos e junguianos, comumente observa-se o relato de sonhos premonitórios, ou compartilhados entre casais. Também é comum que pacientes relatem sonhos que usam adequadamente mitos que jamais conheceram conscientemente, como forma de explicação ou resolução de seus conflitos pessoais. Nota-se, também, em alguns casos, a solidificação no terreno dos sonhos (ou talvez no astral) de desejos (ou receios) fortemente plasmados, de modo que muitos deles tendem a se realizar posteriormente na vida do analisando.
sábado, 1 de maio de 2010
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