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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Pesquisa aponta que 77,8% dos policiais no Brasil afirmam que a maioria de seus colegas mantêm um segundo emprego .

Jornal: Gazeta do Povo


Em tempos de vacas magras, o soldado Florêncio (nome fictício), de 30 anos, usou seus dias de folga na Polícia Militar para fazer bicos como segurança de lojas, restaurantes e postos de gasolina. Ganhava R$ 35 por dia de serviço para tentar pagar as contas que seu salário líquido de R$ 1,7 mil mensais não cobria. A prática, apesar de parecer inocente, é proibida pelo regimento interno da corporação. Questionada sobre o tema, a Secretaria de Estado da Segurança Pública afirmou apenas que “está enfrentando o problema”.
O segundo emprego, embora proibido, sempre foi comum entre PMs. Hoje, os próprios policiais e as entidades que os representam admitem a existência do problema. Segundo a pesquisa “O que pensam os profissionais da segurança pública no Brasil”, publicada no fim do ano passado pelo Mi nistério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o De senvolvimento (Pnud), 77,8% de 64 mil policiais entrevistados em todo o país avaliam que “a maioria” ou “mais ou menos a metade” dos profissionais de sua corporação mantém uma segunda atividade remunerada em caráter permanente.
A origem do problema estaria no valor do soldo. A mesma pesquisa mostra que 92% dos policiais no Brasil estão preocupados com os baixos salários pagos. A média nacional dos salários dos policiais militares em início de carreira é de R$ 1.814,96. No Paraná, o valor pa go aos soldados que terminam o curso de formação é de R$ 1.818,13. A remuneração deve ser reajustada em maio e passará a ser de R$ 1.967,43, caso entrem em vigor três projetos de lei que foram aprovados na semana passada pela Assembleia Legislativa.
De acordo com relato do soldado Florêncio, mesmo com o reajuste, o clima ainda é de insatisfação entre os praças de Curitiba. Prova disso é que, há duas semanas, quando foi anunciado o projeto que previa o reajuste, parte dos policiais da capital ameaçou iniciar uma paralisação.
Na opinião do soldado, só uma remuneração maior e melhoria nas condições de trabalho poderiam reverter a situação da atuação informal. “Tem policial que chega a tirar o dobro do salário com bicos”, afirma. O soldado ainda conta que grande parte dos policiais militares que fazem bicos usam armas e coletes à prova de balas que pertencem à corporação. “Eu tenho a minha arma. Mas usava o colete da polícia”, diz.
“Chefes do bico”
O soldado ainda denuncia a existência de policiais que agenciam outros colegas, conhecidos como “chefes do bico”. A prática é confirmada por um outro soldado, que prefere manter o anonimato. Ele diz ser grande amigo de um chefe do bico, que largou o negócio em 2010, após sete anos no comando. De acordo com o policial, a “chefia” dos bicos começa depois que o profissional ganha a confiança do proprietário do comércio.
A partir daí, ele contrata o serviço de outros policiais para uma rede de lojas. “Por quatro mercados esse policial ganhava limpos R$ 2 mil por mês. Mas, quando o superior dele descobriu a irregularidade, passou a cobrar uma comissão pelo silêncio”, diz.
Outro policial, de 32 anos, que também prefere o anonimato e atua na corporação há nove anos, admite fazer bicos há seis, o que lhe garante uma renda extra de até R$ 1,5 mil por mês. Se não usasse suas horas de folga, teria três dias por semana para ficar com sua família: ele tem esposa e um filho de 2 anos. Mas, devido aos bicos, sobra apenas um dia. “Chego a tocar direto, sem descanso”, diz.
Foi o desgaste físico que levou Florêncio a desistir dos bicos. “Quase dormi enquanto fazia a segurança de uma loja. Não vale a pena. Colocamos em risco a nossa vida e não prestamos um bom serviço para a sociedade”, afirma. Já outro policial diz que só largaria se recebesse um salário melhor. “Ainda estou numa situação financeira complicada”, diz.
Legalização dos bicos
De tão comum na corporação, uma entidade de classe estuda uma tentativa de legalizar os bicos. O presidente da Associação de Praças do Estado do Paraná (Apras), sargento Orélio Fontana, afirma que a ideia é que os policiais usem seus dias de folga para trabalhar na segurança da cidade, com a complementação do salário a ser feita pela prefeitura. “É preferível que ele trabalhe paralelamente prestando serviço do que ficar corruptível. Mas o correto seria pagar bem o policial militar”, defende.
A limitação da capacidade física dos policiais militares é um dos principais riscos da realização de serviços fora do horário do expediente, na opinião do presidente da Associação de Defesa dos Policiais Militares Ativos, Inativos e Pensionistas do Paraná (Amai), coronel Elizeu Furquim. “O remédio para isso é bem conhecido. Basta pagar bons salários para que o policial possa render ao seu máximo”, diz.
Uma das saídas para o problema, segundo o coronel Furquim, é a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 64, que tramita na Assembleia Legislativa. A PEC 64 prevê a implantação do subsídio no salário do policial militar, o que garantiria uma remuneração inicial ao soldado de R$ 3,3 mil, além da exigência de formação superior para ingressar nos quadros da polícia militar.
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"Concentração de renda" é a regra na polícia
As polícias do Paraná são um caso típico de “concentração de renda”. Ao mesmo tempo que policiais militares ameaçam paralisações e atuam em um segundo emprego para completar a renda, é nos cargos de chefia das atividades policiais que se encontram os maiores salários do funcionalismo público paranaense.
Leia a matéria completa Jornal Gazeta do Povo - Paraná
Risco: PMs morrem em horário de folga
O segundo emprego dos PMs representa risco. A Secretaria de Segurança do Paraná não contabiliza policiais mortos fora da função. No Rio de Janeiro, onde essa estatística existe, morreram 86 policiais em folga em 2009. Em expediente, morreram 26.
No Paraná, no ano passado, um PM foi morto na saída de um bar, na região central de Curitiba. Ele estaria de folga, mas foi ajudar colegas que fariam serviço de segurança. Em 2008, um militar morreu na CIC. Segundo infomações não confirmadas pela PM o policial fazia segurança particular. Em fevereiro do mesmo ano, um cabo de 37 anos foi morto na CIC. Ele estava de folga e morreu em uma gráfica onde assaltantes entraram.
Aline Peres
Declarações
Troca
“Almoço e janto em restaurantes. É uma troca. Fico um tempo maior do que em outros locais. Gostaria de ter mais dignidade. Mas não recebemos vale-refeição, nem comida no Batalhão.”
"A tropa inteira recebe lanches nos locais onde os policiais fazem bicos em troca de um policiamento reforçado."
Risco
“O bandido sabe identificar que o cara encostado na mureta é policial. Muitos são abordados pelos bandidos porque são alvo fácil para furto de colete à prova de balas e armas.”
“Se eu ganhasse mais como policial militar já tinha largado o bico. Vivo num risco constante.”
Chefe
“Conheço quem foi chefe do bico por sete anos. Agora ele tem uma casa própria e outras duas pequenas que garantem um rendimento melhor para ele. Mesmo sendo chefe, recebia R$ 2 mil por mês pelo serviço.”

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