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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Narcisismo e Autoestima – Diferenças


“Ela olha para ela em vez de olhar para ti, e por isso não te conhece.Durante as duas ou três pequenas explosões de paixão que ela se permitiu a teu favor, ela, por um grande esforço de imaginação, viu em ti o herói dos seus sonhos, e não tu mesmo como realmente és.” (diz o príncipe Korasoff a Julien Sorel, sobre a sua amada (em “O Vermelho e o Negro”, de Stendhal, sec. XVIII-XIX).

O quadro mais conhecido de Narciso, figura mitológica grega que simboliza o homem belo, apaixonado pela sua própria beleza, é da autoria de Caravaggio, pintor italiano do sec. XVI. Nele, Narciso é visto debruçado sobre um lago de águas cristalinas, capaz de refletir sua imagem com a precisão de um espelho de cristal.

O mito fala que tendo sido consultado por sua mãe, Liríope, sobre o destino da formosa criança que dera à luz, Tirésias, o cego adivinho, lhe disse que “ele viveria muitos anos se não viesse a se conhecer”. Insensível ao amor das ninfas, Narciso não correspondia ao amor de Eco, que por não poder falar e declarar sua paixão, o seguia por todos os lugares para onde ia. Irritado, Narciso desprezou-a rudemente, o que levou Eco a definhar de tristeza até a morte. Enraivecidas, as ninfas pediram à deusa da Justiça que castigasse o belo jovem. Narciso deparou-se, então, com uma lagoa capaz de refletir sua deslumbrante figura e cumpriu-se a previsão do oráculo: Ao ver-se, apaixonou-se por si mesmo, embevecido que ficou com a própria imagem, e ali permaneceu, contemplando-se, até definhar e morrer. Ao procurarem o rapaz, encontraram apenas uma singela violeta debruçada sobre o lago.

A partir dessa pequena narrativa, (uma das diversas versões sobre Narciso) podemos fazer uma ligação entre as pessoas narcisistas e Narciso. Ele acredita que nada existe de bom à sua volta, a não ser sua própria imagem refletida. Da mesma maneira que Narciso acreditava não precisar de ninguém, as pessoas parecidas com ele só conseguem enamorar-se de si mesmas e dos que consideram iguais a si mesmos: no caso de Narciso, ele próprio, refletido na lagoa especular. Caetano Veloso se inspirou nesse mito para compor SAMPA, onde fala de seu mal-estar ao chegar à cidade de São Paulo, tão diferente da sua, baiana: “Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto... Chamei de mau gosto o que vi de mau gosto o mau gosto...É que Narciso acha feio o que não é espelho (...)”

Os narcisistas são enredados em situações errôneas, que consistem em “amar” pessoas perfeitas como eles ou passíveis de se transformarem neles, como reflexo de suas “inumeráveis” qualidades: escolhem os que demonstram extrema admiração por eles, os que lhes parecem pessoas sem uma identidade bem definida (que mais parecem coisas que pessoas), que não hesitam em se deixar influenciar pelo sujeito narcísico, passando a funcionar como um mero reflexo do outro, uma mera cópia, onde ficam anuladas as diferenças, insuportáveis ao orgulho dos narcísicos.

Na prática, são pessoas que tendem a desprezar as outras, vistas como menos aquinhoadas, como desnecessárias em sua vida e facilmente substituíveis (como se fossem objetos). O narcisista é capaz de limpar sua casa não por amor à limpeza, mas para torná-la merecedora de abrigá-lo! É capaz de ser um ativista político para livrar o mundo (ou sua cidade) da doença e da pobreza e suas conseqüências, para criar um mundo tão maravilhoso como ele se imagina ser. Para o homem ou para a mulher narcisista o companheiro deve ser belo: um espelho do que ele é. Há narcisistas que não são sequer bonitos. Estes, muitas vezes, são os mais exigentes em matéria de beleza, esperando ser adorados por possuírem um belo pênis, por exemplo,que eles acreditam apagar a feiúra de uma grande barriga, que ignoram, quando a possuem. Estendem o poder e a beleza que atribuem ao pênis a toda a sua imagem corporal e esperam que as mulheres se sintam encantadas diante deles.

Mulheres que se envolvem com homens narcisistas têm dificuldade em entendê-los. Ao mesmo tempo em que eles sentem necessidade de reconhecimento, atenção e carinho, costumam se transformar em pessoas raivosas e irritadas quando percebem que necessitam daquilo que estão recebendo. Este fato comprova o que não admitem: não são completos, não se bastam. Precisar do parceiro (a dependência normal entre pessoas que se amam) lhes parece insuportável. Esse tipo de homem prefere que o papel de “necessitar do outro” caiba à mulher ou ao “comum dos mortais”, grupo no qual não se enquadra,e lança mão de vários artifícios, muitas vezes de forma inconsciente, para que a mulher termine por ocupar a posição de “inferioridade”, que seria a de precisar dos outros, e que ele detesta. Muitas vezes, porém, é o homem a vítima da mulher narcísica.

Não é raro receber, no ParPerfeito, e-mails de mulheres que se queixam de parceiros encantadores nos primeiros contatos e que, de repente, tornam-se frios, inacessíveis, chegando a desaparecer sem dar satisfação. As mulheres vivenciam a falta deles de forma aguda, e perguntam-se o que podem “ter feito de errado”(sentimento de culpa).Poderia se dizer que o narcisista sente desprezo ou/e raiva de quem o decepciona não sendo perfeito (como ele pensa ser). Na verdade, o narcisismo é uma compensação por sentimentos de baixíssima autoestima e, embora comum, beira o patológico. O narcisista é capaz de produzir em quem se envolve amorosamente com ele e o frustra - não correspondendo às suas expectativas - frustrações que são na verdade castigos por o terem decepcionado. Elogiam, prometem, e depois desaparecem ou dizem ter voltado a uma antiga relação. Suas vítimas sofrem, ficam inseguras e, às vezes, entram até em depressão.É comum que mulheres com baixa autoestima sintam esse efeito mais do que as outras, mais confiantes em si. Desde o início, mulheres que se desvalorizam privilegiem homens narcisistas, que elas verão como mais importantes que elas,e dos quais desejam atender todos os desejos para se fazerem amadas. Como se dissessem: “eu serei quem quiseres que eu seja para ter o privilégio de ter-te a meu lado.

No exemplo acima, está introduzida a noção de baixa autoestima, por meio do pensamento da mulher em relação a si mesma e ao parceiro: “Eu me dobro perante ti porque vales mais do que eu, que nada valho, a não ser que me digas o contrário.” Todas as pessoas que tiveram amor e que sentiram segurança nos primeiros anos de vida, que foram respeitadas e que perceberam que eram admiradas por alguma coisa nelas, ou feita por elas, tendem a ter autoestima e a se sentirem capazes de despertar amor e de amar. Não estão livres, no decorrer da vida, de viverem momentos difíceis, todavia terão sempre a tendência ao otimismo e coragem de lutar pelo que desejam.

O relacionamento amoroso se evidencia por meio de um vínculo que requer sempre dos parceiros a consciência do próprio valor (autoestima) e, por conseqüência, a consciência do direito de serem amados, e a capacidade de serem generosos. No mito de Narciso pode-se observar que tanto Eco quanto Narciso são castigados. A graciosa Eco, sem autoestima, se humilha diante do orgulhoso jovem, seguindo-o, sem ser desejada. Ela definha, seca. Narciso, por sua soberba e frivolidade, igualmente, definha e morre. Seu corpo não é encontrado. Os dois são punidos com a morte em plena juventude, sem atingir o ideal de vivenciar a reciprocidade no amor. Thaïs Sá P. Oliveira

Nota: Na Psicanálise, o conceito de narcisismo é fundamental e complexo, sendo indispensável à compreensão de vários aspetos da teoria psicanalítica, embora haja, na interpretação do mesmo, divergências da parte de importantes teóricos da psicanálise. Aqui o mito descrito foi inspirado na interpretação do poeta Ovídio, (43 AC) autor de Metamorfoses e A Arte de Amar

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