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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Companheiros, e não rivais!


Eu sou uma Mulher
poema de Marina Colassanti

Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar
Os homens vertem sangue
Por doença
Sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
Em nós
O sangue aflora
Como fonte
No côncavo do corpo
Olho d´água escarlate
Encharcado de cetim
Que escorre
Em fio
Nosso sangue se dá.
De mão beijada
Entrega-se ao tempo
como chuva ou vento.
O sangue masculino
tinge as armas
e o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga as bandeiras
mancha a história.
O nosso vai colhido
Em brancos panos
Escorre sobre as coxas
Benze o leito
Manso sangrar sem grito
Que anuncia
A ciranda da Fêmea.
Eu sou uma mulher
Que sempre achou bonito
Menstruar
Pois há um sangue
Que corre para a morte.
E o nosso
Que se entrega para a LUA.

* * * *

Este belo poema de Marina Colassanti me chegou no “Dia Internacional da Mulher”.

Se lêssemos apenas o título, repetido no primeiro verso, poderíamos pensar: As mulheres andam tão confusas pelo modo como se sentem refletidas no olhar dos homens, que precisam reafirmar o gênero a que pertencem. Ficariam mais próximas deles se dissessem: “Olhem, apesar de tudo, dessa igualdade que conquistamos na sociedade, de podermos ser chefes de homens em empresas, de nossa voz ser agora ouvida e nossas opiniões terem ganhado peso, de podermos viver do nosso trabalho, de ansiarmos por outras coisas além de ter um homem e um amor, de termos conquistado a liberdade sexual e outras liberdades, – é preciso dizer – ainda assim, não nos bastamos. E não é porque somos mulheres, mas porque somos pessoas. Os homens também não se bastam”.

No poema acima, percebe-se um resquício de disputa entre mulheres e homens. Há um sangue – o das mulheres, que se entrega à lua, - ao sonho de amor, à esperança – e há um sangue que se entrega à morte: o dos homens. Ora, o sangue que se entrega à lua é justamente o sangue que revela o fracasso de uma possibilidade: a da fertilização do óvulo pelo espermatozóide, início de uma vida, e que reverte em morte quando não se concretiza.
Se um dia o homem dominou, isto se deve às circunstâncias em que viviam homens e mulheres. Estamos vivas graças aos homens fortes e corajosos que nos defenderam de ataques os mais diversos, desde o tempo em que vivíamos em cavernas ou éramos nômades, como voltamos, de alguma forma, a ser. Eles lutaram para nos alimentar e aos nossos filhos, sem nem ao menos saber que tinham, nessa obra, direito a reclamar co-autoria. As mulheres, por sua vez, faziam o serviço necessário: eram gratas e lhes davam prazer, com trabalho, carinho e sexo. Ocupavam-se de serviços menos duros, compatíveis com sua musculatura naturalmente mais frágil. É provável que vibrassem quando os homens faziam descobertas que beneficiavam aos dois. Homens e mulheres eram companheiros. Nas sociedades primitivas havia regras bem estabelecidas e cada sexo ocupava seu lugar e desempenhava sua função. Em nenhuma delas as mulheres eram excluídas e, em muitas, vigorou o matriarcado. Sempre pela influência do pragmatismo ou de uma crença, as mudanças eram introduzidas e se mantinham enquanto fossem necessárias. O homem mais forte era o mais poderoso e a ele cabiam certas regalias respeitadas e quiçá invejadas pelos outros. O prestígio de cada um dependia de suas aptidões e do grau da serventia delas para o grupo todo. No começo, os seios das mulheres tinham o formato exato para amamentar os filhos e, no entanto, os homens gozavam, e também elas, com o corpo que possuiam. Cidades surgiram, cresceram, e com elas novas regras e leis. Agora, os motivos econômicos passaram a regê-las de forma acentuada. As mudanças foram de tal ordem que, mais tarde, descobridores de ‘velhos mundos’ sentiram como estranho o que lhes dera origem.

No poema há um elogio da mulher. Sobre os homens é dito: “(...) O sangue masculino tinge as armas e o mar (,) empapa o chão dos campos de batalha (,) respinga as bandeiras, mancha a história. (...)”. Como se as mulheres dissessem dos homens: “Olhem como são truculentos e destrutivos; olhem como os homens são sanguinários e criam condições de morte. São assassinos também de nossos sonhos, de nossas vidas. Para nos impormos é preciso que sejamos iguais a eles e que aprendamos a nos defender, atacando-os, como o fazem. Para sobreviver à dominação masculina, precisamos ser guerreiras.” A subjetividade masculina é, aqui, despojada de qualquer delicadeza.

O que se encontra, hoje, no inconsciente feminino, é o mito da mulher romântica vitimada pelo homem insensível. Na verdade, este mito se funda na nostalgia do homem que um dia a protegeu de perigos e riscos brutais contra os quais ela não podia, de fato, se defender... Os corpos femininos transformam-se em corpos de amazona para fazer face às disputas, mas também aos embates amorosos com o homem “brutal”, pois é para ele que se dirige o desejo da mulher. Ignorado esse mito, custa aos homens gentis compreenderem a preferência aparentemente perversa das mulheres.
Nos nossos dias, porém, de nada serve a força física do homem. Humilhado diante de armas muito mais poderosas do que ele, não sabe como empregar sua força. Ressurge então como um narcísico. A tecnologia tornou essa força dispensável: a habilidade e a destreza no uso da técnica dispensam-na, assim como a criatividade. A coragem tornou-se uma faca de dois gumes. O desenvolvimento intelectual, a riqueza e a desenvoltura no sexo passaram a ser as armas que surtem efeitos embora nem sempre satisfatórios e, muitas vezes, paradoxais. A desvantagem é a impotência diante do poder de outros homens e de seus artefatos de destruição. As mulheres entram para o grupo dos novos inimigos. E eles se dizem: “Elas nos desnortearam, não precisam mais de nós, tornaram-se vorazes sexualmente e nos fazem sentir medo, essas deusas alforriadas. Podemos, todavia, transformá-las em corpos carentes e desvalorizados, em mentes impotentes diante de nosso desdém, em espíritos enfraquecidos pelo nosso abandono, assim minaremos seu poder recém-adquirido.”

A luta continua. As duas partes perdem. Homens e mulheres buscam, no final das contas, o reconhecimento de sua importância. Buscam o prazer e a felicidade. Buscam o carinho e a possibilidade de terem em quem confiar. Valores indesejados dizimam estes sonhos. Valores mal interpretados ou mal compreendidos de parte a parte. Não existem culpados. Existem vítimas da dificuldade de reinventar o que se apresenta como novo.
Que tal inaugurar-se o “Dia Internacional do Homem”? Mandar-lhes flores e palavras de conforto e de gratidão? Homens e mulheres, que tal darem-se as mãos e se abraçarem? O desejo de vida habita cada um de nós!

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