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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Resposta a um jovem de 20 anos


Tenho 20 anos e há muito tempo venho sofrendo uma depressão profunda. Possuo problemas familiares, envolvendo discriminação racial, uma vez que sou mestiço.

Imagino que minha mãe ainda goste de meu pai, mas qto ao meu pai, sempre foi dificil pra mim, desde a infância, acreditar que ele amasse minha mãe. Nesse aspecto eu tenho uma dúvida cruel. O meu pai nao teve pai, pois seu pai abandonou sua mãe antes mesmo de nascer e, até hoje, acredito eu, ele nao tem nem idéia do que aconteceu com o pai dele, nunca o encontrou e nunca senti que ele tivesse interesse de encontrá-lo.

Desde minha infância eu notava que meus pais nâo se entendiam, eles simplesmente se aturavam. Eles me mimavam bastante, me davam mtos brinquedos etc. Porém, hoje eu estou questionando muitos de seus conselhos.

Eu notava muita rejeição dos meus colegas comigo. Eu era baixo, magro, e me sentia manipulado por essa desvantagem física. A minha maior rejeição atual é em relação às mulheres. Eu tenho muita dificuldade pra me convencer de que elas realmente gostam do sexo oposto. Vejo documentários sobre animais, e sempre a mesma história: "A fêmea escolhe o macho com melhores condições de vida (dinheiro) e preparo fisico (força), e o quesito beleza e charme (que eu considero eticamente correto para os seres humanos).

Bem... Estou muito confuso, por favor não me ignore. Obrigado!

Resposta:

"...Porém, hoje eu estou questionando muito os conselhos de meus pais..."

Isso é um bom sinal. O filósofo Heráclito dizia que "não convém agir e pensar como filhos de nossos pais". Com isso, queria dizer que todo ser humano precisa descobrir seus próprios pontos de vista para construir sua subjetividade, isto é, para descobrir seu próprio desejo, abandonando a posição de submissão inconsciente ao desejo dos pais. Essa mudança não deve se reduzir a uma mera adoção de novas idéias e comportamentos opostos aos dos pais. É muito mais do que isso, bem mais custoso; algo parecido com o que está vivendo.

Se considerarmos que o que diz sobre seus pais é verdadeiro e não fruto de fantasias, dá para imaginar o quanto tudo isso deve ter lhe feito mal. Será que imaginou que por não ser melhor do que se acha, isso pode ter interferido na relação de seus pais? Será que pensa que não se separaram por sua causa? Seu avô deixou sua avó e seu pai. Você é diferente de seu pai, que não se interessou por conhecer aquele que se afastou, levando com ele parte da história da família. Ao sentir-se rejeitado pelas mulheres, você escreve, pede ajuda, deixa claro que quer saber o que deu origem a essa "coisa" que o leva à depressão. Tem mais chance de dar uma guinada em sua vida, não "aturando" o que está lhe acontecendo.

Mimos e presentes às vezes são meios que os pais usam para preencher o vazio deixado por sua incapacidade de amar. A incapacidade de amar não quer dizer falta de amor e sim medo de amar e dar livre expressão a esse amor. No caso de seu pai, é bem capaz de ele amar sua mãe da maneira como lhe é possível: uma criança cujo pai se vai e nunca mais aparece tem tudo para tornar-se um homem com dificuldade de lidar com seus sentimentos amorosos.

Não concordo que seus colegas de escola o tenham tratado mal por aquilo que chama de sua "desvantagem física". Provavelmente você transmitia insegurança e fragilidade que advinham do que se passava dentro de você e não de sua aparência. Claro que se você fosse um atleta, musculoso e fortão, eles iriam escolher outro "bode expiatório". Crianças e adolescentes podem ser muito cruéis sem se darem conta disso. Tenho a impressão de que usa a questão de sua cor de pele para marcar que se sente discriminado, inclusive por você mesmo, diferente dos outros. Parece-me, todavia, que os problemas sempre foram de outra ordem.

Depois da luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, trava-se agora um forte combate ao racismo. Racismo, hoje em dia, é anacrônico e tende a ser tão mal visto como são os fumantes, os nazistas, os que rejeitam o progresso tecnológico, insistindo em ver só seus aspectos negativos.

Quanto a querer transpor o que vigora no reino animal para a realidade do ser humano, expõe-se a entrar numa área bastante discutível. Segundo Darwin, na luta pela sobrevivência vencem os mais aptos e não os mais fortes ou os mais bonitos

Bem, vivemos em outro tipo de selva e somos diferentes. Se você tiver aptidão para lidar com suas desvantagens, elas podem se transformar em vantagens, o que não ocorre entre os animais irracionais, dotados apenas de instinto.

Um homem feio e charmoso pode salientar-se mais do que um homem bonito mas narcísico ou insosso. Veja o que o escritor Stendhal (1783-1842) diz sobre o grande orador e revolucionário Mirabeau: "Ao olhar aquele grande homem, ninguém experimentava através dos olhos um sentimento desagradável, isto é, ninguém o achava feio. Arrastadas por suas fulminantes palavras, as pessoas só ficavam atentas, só sentiam prazer em prestar atenção ao que era belo em seu rosto. Como nele quase não havia traços de beleza, prestava-se atenção apenas ao que era belo mas de outra natureza de beleza, a beleza de sua expressão. Ao mesmo tempo que a atenção fechava os olhos para tudo o que era feio, pictoricamente falando, prendia-se entusiasticamente aos menores detalhes passáveis, por exemplo, à beleza de sua vasta cabeleira; se ele tivesse chifres, teriam sido considerados belos."

Quanto ao charme, ele vem, na maioria das vezes, da auto-confiança. Um homem que se sabe interessante, porque foi capaz de construir-se como um indivíduo autônomo, que não se curva a padrões impostos, pode se revelar charmoso pelos gestos seguros, pela voz, pelo olhar, através de seu senso de humor. Há mulheres que não sabem definir o que seria um homem charmoso mas são sensíveis a seu charme. Elas sentem que ele se comporta como se soubesse que tem algo a mais a oferecer e ficam magnetizadas.

Um homem pouco atento, que não sabe prestar atenção nas outras pessoas também não atrai o interesse delas, tornando-se um solitário. Por não ser capaz de se deter no outro, tão preocupado consigo mesmo, com seu sentimento de insuficiência ou de superioridade, tenderá a ser ignorado e dirá que ninguém se interessa por ele ou que ninguém desperta seu interesse. Acredito que com o auto-conhecimento o charme possa vir a ser conquistado.

Do fundo do poço você falou de coisas importantes. Mostrou sua força e seu desejo de sair da "confusão". Estou certa que irá conseguir tudo isso. Uma psicoterapia ou uma análise apressarão um pouquinho o caminho que terá de percorrer; e é sempre bom ter-se um companheiro de caminhada. Um grande abraço a você e a todos que lerem essa resposta, e sentirem que ela, de alguma forma, ajudou. Boa sorte.

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